domingo, 24 de outubro de 2010

Mais do mesmo: uma fria análise de Corações Feridos

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Quando todos pensavam que a dramaturgia do SBT ressurgiria das cinzas com a contratação do autor Tiago Santiago, Silvio Santos tira da cartola uma solução mágica: lançar uma produção barata para tapar o buraco do espaço reservado aos folhetins da casa. Sim, caro telespectador. Senor Abravanel mais uma vez subestimou a capacidade intelectual do público e lançou mão de duas fórmulas caseiras para manter a audiência deixada pela novela “Uma Rosa com Amor”: a reprise de uma trama antiga e um remake assinado por sua esposa. Mais uma vez deram à Dona Íris Abravanel, autora de “Corações Feridos”, um projeto natimorto, sem grandes investimentos, tampouco credulidade.

O que o SBT espera com esse investimento? Ludibriar o público até a estreia de “Amor e Revolução”? É incrível a falta de continuidade dos projetos tocados na Anhanguera. Enquanto a trama de Tiago Santiago ganha ares de super produção, com a promessa de contratações de peso, o projeto de Íris Abravanel capenga com um orçamento enxuto e um elenco composto prioritariamente por novos talentos.

Além de todos os empecilhos técnicos e financeiros, há ainda as limitações de Dona Íris. Nas duas produções anteriores, “Revelação” e “Vende-se um Véu de Noiva”, a autora foi vítima de severas críticas com relação ao texto dos folhetins, supervisionados por gente que entende do assunto. Assim mesmo, a senhora Abravanel continuou no ofício, colecionando, entre críticas e elogios, muitos admiradores, dentro e fora do SBT. Sem se apegar à alcunha de “esposa de Silvio Santos”, Íris abraçou o núcleo de dramaturgia com afinco. No entanto, não bastam boas intenções. É preciso tarimba e prática, algo primordial para o bom andamento de uma trama.

“Corações Feridos” é uma adaptação de “La Mentira”, escrita por Caridad Bravo Adams. O roteiro original surpreende pelo número de remakes: quatro versões mexicanas (em 1965, 1982, 1998 e 2010), uma no EUA (em 2008) e agora no Brasil. Até mesmo no cinema, o folhetim deu as caras, com versões homônimas em 1952 e 1970. Ou seja: os telespectadores serão brindados com mais uma releitura barata de uma produção que, inclusive, já foi exibida no nosso país.

Lançar uma novela com baixo orçamento, contudo, não é novidade no SBT. O renomado autor Walcyr Carrasco também teve que improvisar na dramaturgia da emissora. E se deu bem. Escrita para ser exibida originalmente no México, “Fascinação” foi mais uma das apostas de Silvio Santos, que resolveu exibir a produção no Brasil. Sem cidade cenográfica e com um custo ínfimo de 20 mil reais por capítulo, a novela apresentou interessantes 16 pontos nas últimas semanas e foi vendida para mais de 20 países, entre eles Portugal, Ucrânia e Romênia. A trama, produzida em 1998, teve mais de 150 capítulos e foi gravada no tempo recorde de quatro meses para estrear junto com Torre de Babel, da Rede Globo.

O ritmo das gravações no SBT, ao que parece, continua desenfreado. Cynthia Falabella, que interpreta a vilã de “Corações Feridos”, reconhece que a rotina tem sido dura. A atriz trabalha de segunda a sábado, chegando a gravar até 15 cenas por dia. Em “Fascinação”, a exigência foi ainda maior. Tão frenética que a produção, para ajudar nas gravações, disponibilizou pontos eletrônicos. O aparelho servia para que o ator pudesse repetir as falas de outra pessoa. Foi a primeira novela brasileira a lançar mão desse recurso para a interpretação, algo bastante comum na rotina da mexicana Televisa.

Outra particularidade que assemelha a trama de Walcyr Carrasco à de Íris Abravanel é a aposta em atores estreantes. Vale lembrar que, na época de “Fascinação”, Heitor Matinez, Regiane Alves e Mariana Ximenes eram ilustres desconhecidos. Carrasco, em matéria publicada pelo Jornal “A Notícia”, de 12 de outubro de 1998, explicou o êxito: “Fascinação fez sucesso porque tem uma história forte e coerente, dentro daquilo que se propôs a ser. Tivemos a sorte de acertar o elenco, muito adequado para os papéis”. Jacques Lagoa, que dividiu a direção com Henrique Martins, teve a mesma opinião: “Fica provado que não precisamos de grandes estrelas. Basta talento e boa direção”.

Para “Corações Feridos” lograr o mesmo êxito de “Fascinação”, todavia, será necessário muito trabalho e perseverança. Vários motivos farão a equipe remar contra a maré: a concorrência da Record, o descrédito do núcleo, a escassez de verba, a incipiência do texto, a baixa audiência do SBT, entre outros problemas administrativos.

A nova trama de Íris Abravanel retoma a produção de remakes mexicanos, encerrada em 2008 com a malfadada “Amigas e Rivais”, a décima segunda e última telenovela da parceria SBT/Televisa, iniciada em 2001 com “Pícara Sonhadora”.

O argumento, como quase todos os textos mexicanos, gira em torno dos protagonistas, sem aprofundamento de outros núcleos. O roteiro, exagerado, maniqueísta e rocambolesco, segueà risca a cartilha folhetinesca das produções melodramáticas. O ponto de partida da história é o cafezal da fazenda de Rodrigo (Paulo Zulu), irmão caçula de Eduardo (Flávio Tolezani) e noivo de Aline (Cynthia Falabella), a grande vilã da novela. A antagonista, má desde o primeiro fio de cabelo até a unha do dedo mindinho, vai armar várias situações contra a prima, Amanda (Patrícia Barros) e transformar a vida da moçoila num inferno. Tudo isso até o último capítulo, em que o bem vai triunfar e todos vão viver felizes para sempre em uma enorme mansão rural.

A expectativa é que “Corações Feridos” fique restrita a 100 capítulos. A estreia está marcada para novembro - mas pode ser adiada para o ano que vem -, no horário de “Canavial de Paixões”, que patina em parcos quatro pontos no Ibope. A missão do folhetim de Iris Abravanel é preparar o terreno para a grande estreia de “Amor e Revolução”, de Tiago Santiago. Uma tarefa árdua, cheia de barreiras, empecilhos e preconceitos. Uma cruzada que vai exigir, como todas as apostas de Silvio Santos, sorte. E assim segue a vida na dramaturgia na Anhanguera, cambaleante e nas mãos do acaso, jogada ao deus-dará.

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